O preço dos devaneios profundos era sempre aquele momento de retorno, o reencontro do que havia antes e agora parecia um pouco pior. Sua fantasia, antes cheia de detalhes plausíveis, transformara-se numa bobagem passageira diante da massa dura do real. Era difícil voltar, admitir que tudo aquilo havia passado. Passou, dizia sua irmã, sussurrando, quando a despertava de um pesadelo. Briony perdera seu poder demiúrgico de criação, mas era só naqueles momentos de retorno que a perda se tornava evidente; parte do fascínio do devaneio era a ilusão de que fosse possível resistir à sua lógica: obrigada pela rivalidade entre nações a competir no nível mais elevado com os melhores do mundo e a aceitar os desafios eram a conseqüência de ser a melhor de todos no que se faz - no caso, açoitamento de urtigas -, levada a ir além de seus limites para aplacar a multidão delirante, e ser a melhor de todos, ser, mais importante ainda, única. Porém, é claro, fora só ela o tempo todo - ela a autora, ela o assunto, e agora estava de volta ao mundo, não um mundo que ela podia criar, e sim aquele que a criara, e sentia-se diminuindo sob aquele céu de fim de tarde. Estava cansada de estar no quintal, mas ainda não estava preparada para voltar para casa. Então a vida era só aquilo, casa ou quintal? Não havia um terceiro lugar para as pessoas irem? Deu as costas para o templo da ilha e caminhou lentamente pelo gramado perfeito preparado pelos coelhos, em direção à ponte. À sua frente, iluminada pelo sol poente, havia uma nuvem de insetos, cada um deles oscilando a esmo, como se amarrado a um elástico invisível - uma misteriosa dança de acasalamento, ou apenas pura exuberância animal, a desafiar qualquer tentativa sua de encontrar um significado. Num espírito de resistência rebelde, subiu a encosta íngreme, coberta de grama, até a ponte, e chegando ao caminho de cascalho resolveu ficar ali e esperar até que alguma coisa importante acontecesse com ela. Era esse o desafio que estava impondo à existência - permaneceria imóvel ali, não sairia para o jantar, nem mesmo se sua mãe a chamasse. Ficaria simplesmente esperando na ponte, tranqüila e obstinada, até que os acontecimentos, os acontecimentos reais, e não suas próprias fantasias, aceitassem seu desafio e dissipassem sua insignificância.
Reparação, de Ian McEwan, que deu origem ao filme Desejo e Reparação.
Muito muito muito muito bom :)
quinta-feira, 7 de agosto de 2008
Only imagine...
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Um comentário:
ai, esse filme é tão lindo, queria ler o livro, parece boom *-*
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